terça-feira, 3 de agosto de 2010

Intangibilidade Divina


Uma coisa tangível é algo que pode ser tocado, tratado como um fato, como algo concreto. Com o advento do materialismo filosófico, muitas questões ontológicas passaram a ser consideradas sem sentido, uma vez que só o tangível seria real. Uma coisa absolutamente intangível para o homem, segundo a ótica materialista, seria inexistente. É como o sentido da vida. Para um materialista, o sentido da vida é ela mesma, a vida não veio a existir sob um propósito, sua existência é que determina seu propósito. Contudo, se a vida veio a existir sem um propósito, e o seu fim é a morte, concluímos que seu único sentido absoluto é o fim. Em outras palavras, o propósito da existência é não existir, o sentido de viver é morrer.
A idéia de um propósito, entretanto, nos remete a uma idéia de algo anterior a existência, sendo, portanto, algo pré-existente. E quem seria capaz de dar propósito a existência senão o ser pré-existente (Deus)? A existência, assim, seria elemento meramente contingente que dependeria necessariamente de um propósito, que é intangível no plano da existência, só podendo ser aferido no plano da pré-existência.
Imaginemos um pintor e sua pintura. Num quadro, ele cria alguns personagens e cria também o cenário onde os personagens estarão envolvidos. Admitamos, apenas como hipótese ilustrativa, que tais personagens possam realmente interagir com o cenário e entre eles mesmos (como num sofisticado software de computador com inteligência). Para tais personagens, apenas o cenário e eles mesmos são coisas tangíveis. Eles estão alheios, concretamente, à figura do pintor. O pintor, enquanto ser pré-existente à pintura, é intangível aos personagens. Pela ótica do materialismo filosófico, o pintor não existiria de forma alguma, pois estaria fora do que é tangível aos personagens. Para os personagens, o pintor não pode ser visto nem tocado, logo, acreditar em sua existência seria algo irracional. Seria irracional porque, para os personagens, somente é real o que está inserido no cenário. Fica fácil ver, através da ilustração, a magnitude do engano da visão materialista.
O erro se torna ainda maior porque o pintor, estando além do plano da pintura, está também presente nela na forma de consciência, ou seja, a pintura é idéia/concepção/idealização do pintor. É a abstração que ganhou elementos de concretude. Na pintura são aferíveis alguns elementos do pintor, podendo ela revelar desde traços de sua personalidade até finalidades e propósitos de coisas e eventos circunscritos no plano da pintura, desejados pela imaginação e poder criativo do pintor.
Fica claro na ilustração que o pintor corresponde a Deus, a pintura corresponde à humanidade e o cenário seria o universo material. O absurdo do ateísmo, alicerçado em suas bases filosóficas materialistas, ignora o conceito da ilustração, atribuindo ao contingente (a pintura) as características do necessário e pré-existente. O ateísmo é a última forma de idolatria, pois atribui aos homens e a matéria as características de Deus. Segundo essa visão, o universo é o pré-existente e sua lógica adveio de uma combinação do acaso. Em última análise, os atributos divinos impossíveis de serem atribuídos ao próprio universo são atribuídos ao “deus acaso”. Não é muito diferente dos primitivos cultos a imagens de escultura, ao sol ou a lua (abominados por Deus por confundir criador e sua criação). É apenas mais sofisticado. Na esteira do materialismo filosófico, a ideia de divindade, base do surgimento de todas as civilizações conhecidas até hoje, seria, na verdade, fruto da imaginação do homem, ou seja, o homem novamente atribuindo os atributos de Deus ao contingente, no caso, à sua própria imaginação.
Tal visão é irônica, pois nos faz presumir que caso um dia o homem acumule toda ciência contida de forma difusa e desorganizada no universo, este homem personificaria exatamente a figura que conhecemos como Deus, no que se refere ao atributo da onisciência. Caso este homem, em posse de toda ciência, pudesse manipulá-la, de forma a criar galáxias, matéria e vida, este homem personificaria exatamente a figura que conhecemos como Deus, no que se refere ao atributo onipotência. Difícil mesmo seria conceber que tal homem fosse onipresente, visto ser um ser material. O homem, mesmo adquirindo todo poder e conhecimento, ainda seria uma imagem deficiente de Deus, com bastante semelhança, mas não idêntica a do ser necessário que é Deus. Por isso Deus é o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, pois se partirmos rumo ao início de tudo, lá estará ele, e se partirmos com destino ao último nível de evolução possível, lá estará Deus. Deus independe da criação para ser o que é, mas a criação depende de Deus para ser o que é.
A ciência evoluirá ao ponto do homem descobrir como driblar a morte? A ciência evoluirá ao ponto do homem trazer pessoas que já morreram de volta a vida? Se um dia tais coisas forem possíveis, o homem ainda será apenas uma figura caquética do Deus todo poderoso. Isso lembra a lenda de Buda e o macaco Son Goku. Se Son Goku conseguisse ir além dos domínios do poder de Buda, receberia o domínio do céu. Son Goku então voa até muito longe e pousa numa montanha, deixando nela a sua marca, acreditando já estar muito longe dos domínios de Buda.  Buda então mostrou um dos seus dedos que estava com a marca deixada por Son Goku. A montanha nada mais era que um dos dedos da mão de Buda.
Fugir de Deus é como a ilusão do macaco Son Goku. No fim da fuga (morte do universo), o homem fatalmente se deparará com o criador. Tudo que tem um início tem necessariamente um fim.