domingo, 15 de janeiro de 2012

Tolerância vs Aquiescência



Segundo o conceito, tolerância é a disposição de admitir, nos outros, modos de pensar, de agir e de sentir diferentes dos nossos.
Por definição, a tolerância pressupõe que o tolerado é algo com que não se concorda. Uma guerra semântica, contudo, tem se travado nos mais diversos meios sociais no sentido de transmudar o sentido da palavra tolerância, para convertê-la em verdadeira aquiescência.
Por guerra semântica se entenda o esforço organizado no sentido de mudar a relação dos signos (ex: a palavra tolerância) com aquilo que eles significam. Aquiescência, por sua vez, apresenta significado oposto ao de tolerância. Segundo o conceito, aquiescência é concordância, consentimento, adesão, aprovação, anuência.
É neste contexto, de guerra semântica, que se encontra a questão da homofobia.  Um heterossexual, por definição, é aquele que sente aversão sexual ao indivíduo do mesmo sexo, ou seja, um heterossexual nunca se sentirá atraído sexualmente por uma pessoa do mesmo sexo, ainda que, racionalmente, não tenha objeção a que outras pessoas sejam homossexuais. Partindo deste conceito, é perfeitamente razoável que heterossexuais desaprovem ou não simpatizem com o comportamento homossexual.
Contudo, é notório que o simples direito racional ou íntimo (gosto, consciência ou crença) de não aprovar ou simpatizar com o comportamento homossexual, é taxado, em meio à guerra semântica, de termos que, pelo seu uso, automaticamente associamos com coisas reprováveis, tais como: discriminação e preconceito.
Discriminação, por exemplo, pode ser justa ou injusta. Ao aplicar uma prova, o professor discrimina os alunos que tiraram notas altas daqueles que tiraram notas baixas. Aqueles são aprovados. Estes são reprovados. Ao escolher o futuro cônjuge, as pessoas geralmente fazem uma discriminação rigorosa, baseadas em diversos critérios: qualidades morais, inteligência, aparência física, timbre de voz, formação religiosa etc. Entre centenas ou milhares de candidatos, somente um é escolhido. Os outros são discriminados. Ao selecionar seus empregados, as empresas fazem uma série de exigências, que podem incluir: escolaridade, experiência profissional, conhecimentos específicos, capacidade de relacionar-se com o público etc. Todas essas formas de discriminação são justas, razoáveis e necessárias.
Seria uma discriminação injusta, por exemplo, não contratar determinada pessoa, devidamente qualificada para o cargo, simplesmente por causa de sua cor, pois é uma discriminação sem critério justo. Por outro lado, seria razoável discriminar pela cor um ator que retratará Machado de Assis. Uma vez que o escritor era mulato, é razoável que seja retratado por um ator de mesma cor, e não por um ator branco (como fez a Caixa Econômica Federal em um comercial veiculado na TV, onde Machado de Assis era retratado por um homem branco – “http://www.youtube.com/watch?v=10P8fZ5I1Wk”).
O termo preconceito também padece da mesma deturpação. Um preconceito, em princípio, não é bom ou mau, pois ainda não se tornou um valor consolidado. Um preconceito pode se confirmar como certo, ou se confirmar como errado. É da natureza humana produzir preconceitos, que são defesas contra o desconhecido. Uma pessoa pode ter determinado preconceito quanto à determinada comida, que não conhece, ou possui aparência desagradável. É razoável o preconceito de um recepcionista de hotel em relação a certa pessoa trajada inapropriadamente para o local, pois, segundo o que comumente acontece, tal pessoa pode ser um pedinte, e importunar os hóspedes. Assim, o preconceito é como uma intuição, baseada na percepção que uma pessoa tem da realidade. Apenas quando a percepção da realidade destoa radicalmente do racional é que um preconceito pode ser entendido como uma coisa perniciosa. Se no exemplo do recepcionista de hotel, a pessoa trajada inapropriadamente é um hóspede, o preconceito mostrou-se errado, mas possuía alguma base para existir. O preconceito recomenda a cautela, e não que as pessoas se privem de plano dos mesmos, sob pena de serem presas fáceis de várias circunstâncias da vida.
A guerra semântica relacionada à homofobia tenta converter o conceito de tolerância em aquiescência, forçando a sociedade não apenas a tolerar o comportamento homossexual, mas a aprová-lo, tal como se fosse um comportamento de todo indivíduo. É natural que a maior parte da sociedade não goste da ideia, por exemplo, do beijo gay na televisão, pois sendo a maior parte da sociedade heterossexual, possui natural aversão a tal comportamento (ainda que sem objeções de cunho moral ou religioso). Se um heterossexual deixa de sentir aversão numa manifestação homossexual, tornou-se psicologicamente aberto a abraçar o referido comportamento, o que indica que, se a homossexualidade não é apenas uma questão comportamental (de valores), o comportamento ainda é aspecto deveras importante, pois pessoas não nascidas homossexuais (ad argumentandum tantum) poderiam, mudando seus valores e conceitos, abraçar a prática homossexual. São os valores, por sinal, que impedem as práticas incestuosas de filho com mãe, de pai com filha, pois embora um homem seja atraído sexualmente por uma mulher, e vice-versa, os valores impedem a prática incestuosa, e são capazes de criar verdadeira e insuperável aversão.
Na verdade, a maioria das pessoas intui que o comportamento homossexual não é positivo para elas, seja por questões da própria natureza, seja por meio de valores ainda plasmados na sociedade, mesmo que não tenham refletido profundamente sobre o assunto, razão pela qual há todo um esforço contrário no sentido de transmudar o significado das palavras, de forma a impedir que pessoas expressem o que realmente sentem ou pensam acerca da prática homossexual. É razoável que pessoas, hipoteticamente nascidas homossexuais, tenham aversão sexual à prática heterossexual? É a lógica que explica que ambos os comportamentos (homossexual e heterossexual), elevados à níveis críticos, são auto-excludentes, pois todos os homossexuais nasceram de uma relação (ao menos biológica) heterossexual. Quando uma pessoa tem aversão sexual à prática heterossexual, tem aversão ao modelo/padrão que a colocou no mundo.
Sendo a prática heterossexual não apenas natural, mas necessária, o esforço semântico ideológico no sentido de eliminar a aversão à prática homossexual fatalmente teria como resultado o fim da heterossexualidade como modelo ideologicamente defensável, para dar espaço à bissexualidade, comportamento que coloca a reprodução da espécie num segundo plano, atrás dos desejos sexuais, e não em mesmo plano, como ocorrem nas relações heterossexuais, em que sexo e reprodução caminham juntos. Assim, mesmo que um casal (homem e mulher) opte por não ter filhos, é apenas dentro deste modelo (heterossexual) que poderá ser gerado vida, reprodução da espécie, razão pela qual não se pode reprovar o modelo heterossexual, diferentemente do modelo homossexual (tomando-se como referência a continuidade da espécie). O modelo bissexual, embora aparentemente elimine os conflitos entre homossexualidade e heterossexualidade, pressuporia a ausência de qualquer aversão sexual, seja pelo mesmo sexo, seja pelo oposto, ao passo que a continuidade da humanidade dependeria, irremediavelmente, das relações heterossexuais, mesmo que todos os seres humanos fossem bissexuais.
Assim, o esforço para eliminar a aversão ao modelo homossexual resulta em destruir o único modelo realmente necessário para a continuidade da espécie humana, que é o heterossexual, que sobreviveria apenas residualmente na forma de bissexualidade. Com heterossexuais "convertidos" em bissexuais, a aprovação do comportamento puramente homossexual (e não bissexual) estaria assegurada de forma reflexa, uma vez que nem mesmo os que sentem aversão sexual pelo sexo oposto podem negar que, sem relações heterossexuais, a humanidade não existiria.
Na verdade, um mundo de bissexuais nunca será uma realidade, e os idealizadores da guerra semântica sabem disso. A guerra semântica não pretende converter heterossexuais em bissexuais, mas amordaçar heterossexuais, com o que se chama de linguagem "politicamente correta", de forma a não possuírem palavras (pois estas serão proibidas) para expressar quaisquer sentimentos íntimos ou racionais contrários à prática homossexual. Proibir a aversão sexual ao comportamento homossexual é reprimir, por via oblíqua, o direito de ser heterossexual, é subverter o conceito de tolerância em verdadeira intolerância.