quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

PRÉ-MILENISMO (CLÁSSICO) VS AMILENISMO (1ª PARTE)



O que é o Pré-Milenismo? É a corrente escatológica que defende que o Milênio é antecedido pela segunda vinda de Cristo, que o inaugura. Divide-se em pré-milenismo histórico (clássico) e pré-milenismo dispensacionalista. O Pré-milenismo contrapõe-se como visão escatológica ao Amilenismo, que defende que a segunda vinda de Cristo se dará após o milênio.
Este modesto estudo abordará apenas as visões pré-milenista histórica e amilenista, e não tem a pretensão de ser a palavra final sobre o assunto, pois esta pertence ao Senhor Jesus Cristo.

DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS ENTRE O PRÉ-MILENISMO HISTÓRICO E O AMILENISMO

Tanto o Pré-milenismo histórico quanto o Amilenismo acreditam numa segunda vinda de Cristo sobre a terra, e ambas as correntes acreditam que haverá uma ressurreição, literal, de justos e injustos, bem como o arrebatamento da igreja. Ambas as correntes são pós-tribulacionistas (ou seja, a igreja está na grande tribulação). O ponto central da divergência parece residir na interpretação de apocalipse 20, versículo quatro, no que diz respeito à ressurreição que antecede o milênio. Eis a passagem:

E vi tronos; e assentaram-se sobre eles, e foi-lhes dado o poder de julgar; e vi as almas daqueles que foram degolados pelo testemunho de Jesus, e pela palavra de Deus, e que não adoraram a besta, nem a sua imagem, e não receberam o sinal em suas testas nem em suas mãos; e viveram, e reinaram com Cristo durante mil anos. (Apocalipse 20:4)

Na visão pré-milenista histórica, após a grande tribulação, onde a igreja será perseguida e muitos serão mortos pelo testemunho de Jesus e pela palavra de Deus, ocorrerá a segunda vinda de Jesus Cristo. Os mortos em Cristo então ressuscitarão primeiro; depois, os que estiverem vivos, serão arrebatados (1 Ts 4:16-17). Os salvos em Cristo, ressurretos na primeira ressurreição, reinam com o Senhor no milênio. A ressurreição dos demais se dá após o milênio, onde o último inimigo, a morte, é derrotado em definitivo (Ap 20.14).
Na visão amilenista, a ressurreição dos mártires é simbólica. Parte da perspectiva dos mártires do primeiro século, sendo os mil anos um simbolismo da fase terrestre do Reino de Deus, desde a queda de Roma até a vinda de Cristo. Para Santo Agostinho e muitos outros, os “mil anos” se iniciam com a ressurreição de Cristo, a primeira ressurreição (cf. comentários de A Bíblia de Jerusalém). Os mártires já reinam com Cristo nos céus, a espera do dia da ressurreição literal, pois o poder de Satanás sobre os mesmos cessou. Os salvos, então, aguardam o final do milênio, quando ocorrerá a segunda vinda de Jesus Cristo, onde todos os mortos serão ressuscitados, e a morte será em definitivo destruída.

DEFENSORES DO PRÉ-MILENISMO HISTÓRICO E DO AMILENISMO

Embora o pré-milenismo histórico tenha sido a posição dominante dos pais da igreja, (séculos I a IV), o amilenismo ganhou força principalmente com Santo Agostinho, sendo o pensamento predominante na igreja católica e nas principais denominações do chamado protestantismo histórico (calvinismo e luteranismo).
Todavia, ambas as correntes são engrossadas por expressivos nomes, o que sugere que uma conclusão sobre o assunto não é tão simples como alguns afirmam.
Como defensores do pré-milenismo histórico temos, dentre os pais da igreja, Justino de Roma, Irineu de Lion, Tertuliano, Papias, que foi discípulo do apóstolo João, e outros. Dentre os reformadores temos William Tyndale, muitos dos anabatistas e outros durante a Reforma Protestante. Entre os puritanos, podem ser citados William Twisse, Thomas Goodwin, William Bridge, Jeremiah Burroughs, Cotton Mather. Entre os Batistas, Benjamin Keach, John Gill. Dentre os pietistas alemães, Phillip Jakob Spener, Johann A. Bengel. Dentre os avivalistas, Charles Wesley, Augustus Toplady, Andrew Murray, Horatius Bonar, C. H. Spurgeon. Entre os teólogos contemporaneous, Oscar Cullmann, Russel Shedd, George Eldon Ladd, Wayne Grudem, R. K. McGregor Wright e Millard Erickson, e ainda, Robert Gundry e Douglas Moo.
Como defensores do amilenismo, além do citado Santo Agostinho, temos Eusébio de Cesaréia, Hipólito de Roma, Martinho Lutero, João Calvino, Richard Baxter. Dentre os teólogos contemporâneos, podem ser citados Jay Adams, Louis Berkhof, John Stott, Martin Lloyd-Jones, William Hendriksen, Abraham Kuyper, Herman Bavinck, Leon Morris e Anthony Hoekema.

HERMENÊUTICA ESCATOLÓGICA

Tanto pré-milenistas como amilenistas reclamam que uma escorreita interpretação deve partir de passagens bíblicas claras para passagens bíblicas menos claras, de textos específicos para textos menos específicos. As Escrituras interpretam as próprias Escrituras. E uma regra básica de hermenêutica é que não existem palavras inúteis num texto.
Quando a divergência principal entre o pré-milenismo e o amilenismo reside em situar o milênio, bem como a ressurreição dos mortos e o juízo final, no espaço e no tempo, deve-se partir das passagens bíblicas que expressamente situam os eventos como antecedentes/precedentes e subsequentes, para, a partir destas passagens, interpretar-se as demais.

FALHAS NA INTERPRETAÇÃO AMILENISTA

Partindo da premissa de que os textos bíblicos que melhor servirão para interpretação dos demais textos bíblicos, no que diz respeito ao milênio, são aqueles que trazem, em si, uma expressa ideia de sequência, a interpretação amilenista não parece ser a mais adequada.
A título de exemplo, tome-se a passagem de 1 Tessalonicenses 4, versículo 17, quando o Apostolo Paulo diz: “e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”.
Referida passagem situa no espaço e no tempo a ressurreição dos que morreram em Cristo e o arrebatamento da igreja. A ressurreição dos salvos é anterior ao arrebatamento. Ainda que se trate de eventos imediatamente subsequentes, e dentro do mesmo dia (Dia do Senhor), o Apóstolo fez questão de frisar que os mortos em Cristo terão prioridade sobre os vivos.
A mesma linha de raciocínio deve ser aplicada no que diz respeito ao milênio. E o capítulo 19 de Apocalipse parece dar a chave para as demais interpretações.
O capítulo 19 de Apocalipse induvidosamente narra a segunda vinda de Cristo. Jesus, gloriosamente, surge no céu aberto, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao seu evangelho. É neste momento, qual seja, a segunda vinda de Cristo, que a besta e o falso profeta são derrotados e lançados no lago de fogo.
Partindo-se da perspectiva amilenista de que Satanás estaria preso desde a ressurreição de Cristo, sua derrota definitiva deveria se dar por ocasião da segunda vinda de Cristo. Se Satanás foi solto momentos antes da segunda vinda de Cristo para enganar as nações, a besta, o falso profeta, os seus seguidores e o próprio diabo deveriam ser lançados, todos juntos, no mesmo momento, no lago de fogo e enxofre.
Todavia, quando Satanás é finalmente lançado no lago de fogo, lá já se encontram não só a besta, como também o falso profeta. Apocalipse 20.10 diz: "O diabo, o sedutor deles, foi lançado para dentro do lago de fogo e enxofre, onde já se encontram não só a besta, como também o falso profeta [...]." Ora, o texto expressamente afirma que a besta e o falso profeta serão lançados no lago de fogo antes do dragão, Satanás. Como dito alhures, não existem palavras inúteis num texto. Se o apóstolo quis situar o castigo eterno do diabo após o castigo eterno da besta e do falso profeta, algum propósito viu nisso. O castigo da besta e do falso profeta é situado no passado, enquanto o de Satanás, no futuro.
Se partirmos da premissa de que Satanás foi preso por ocasião da ressurreição de Cristo, e que será solto momentos antes da segunda vinda de Cristo, não se explica porque a besta e o falso profeta já se encontram no lago de fogo. A perspectiva preterista não se encaixa, pois o capítulo 19 inequivocamente narra que a derrota da besta e do falso profeta se dará na segunda vinda de Cristo.
Uma interpretação simbólica da derrota da besta e do falso profeta também não parece minimamente razoável. No capítulo 19 de apocalipse, o anjo convoca as aves do céu para a ceia de Deus, que consiste nos cadáveres dos adoradores da besta e do falso profeta. Aqui não há simbolismo. Jesus Cristo afirmou (Lc 17:35), “onde estiver o cadáver, ai se ajuntarão os abutres”, referindo-se ao dia do arrebatamento e sua gloriosa vinda.
Em Atos 1, versículo 11, anjos afirmam que da mesma forma que Jesus ascendeu aos céus, ele voltaria, ou seja, literalmente, e com poder e muita glória. Se Jesus Cristo voltará literalmente, não faz sentido que seus inimigos sejam derrotados simbolicamente, e em algum momento antes da segunda vinda de Cristo.
E sendo Satanás lançado no lago de fogo apenas depois do castigo eterno da besta e do falso profeta, em que momento ele reuniria as nações dos quatro cantos da terra para um segundo combate escatológico, se os próprios amilenistas partem do pressuposto de que, no capítulo 19, todos os inimigos de Deus são exterminados para sempre? Quem restaria para o diabo amealhar contra o santo arraial?

A PERSPECTIVA PRÉ-MILENISTA DOS PRINCIPAIS ARGUMENTOS AMILENISTAS

a)     Todo poder me foi dado nos céus e na terra.

Um dos principais argumentos do amilenismo é de que Jesus, após sua ressurreição, afirmou: “todo o poder me foi dado no céu e na Terra” (Mt 28.18).
Referida declaração, na visão amilenista, sustentaria a ideia que o milênio se iniciou com a ressurreição de Cristo, pois a partir dali a igreja estaria reinando com ele sobre a Terra, a partir dos corações dos homens, e com os mártires no céu.
Para melhor compreender a declaração de Jesus, faz-se salutar memorar a sua tentação no deserto (Mt 4:1-11 e Lc 4:1-13). Satanás oferece a Jesus Cristo todos os reinos do mundo e a glória deles, mas Jesus declina. Qual a razão? Seria simplista demais dizer que Cristo recusou a oferta por causa da condição do diabo, de adorá-lo. Na verdade, a tentação era iniciar o Reino sem a cruz, e se Jesus o fizesse, estaria indo contra a vontade do Pai, e curvando-se à vontade de Satanás.
O reino dos céus, assim, passou a ser proclamado com a primeira vinda de Cristo, e antes mesmo da crucificação e ressurreição, Jesus declarara que o reino estava entre os homens (Lc 17.21). Mas antes da cruz, Cristo não possuía todo poder e autoridade para instaurar o reino sobre a terra, como quis Satanás, pois sendo o reino dos céus eterno, necessário se fazia salvar o pecador, para que o mesmo pudesse herdar o reino. O poder sobre a morte foi conquistado apenas na cruz, e apenas a partir dali o reino poderia ser instaurado por Cristo.
Assim, o fato do reino de Deus já estar entre os homens não implica afirmar o início do milênio. Tampouco o fato de Jesus possuir todo o poder e autoridade, se ele apenas a exercerá em sua plenitude por ocasião de sua segunda vinda, quando a própria corruptibilidade se revestirá de incorruptibilidade, e o mortal se revestirá de imortalidade.
Jesus Cristo quando veio ao mundo, na realidade, plantou a semente do reino dos céus para o tempo da colheita, que será na sua segunda vinda. Quando a seara da terra amadurecer (Ap 14:16), completar-se o número dos salvos (Ap 6.11), e a última trombeta soar (1 Co 15:52), haverá no céu grandes vozes anunciando o reino de Cristo, literal, sobre a terra.

“E o sétimo anjo tocou a sua trombeta (sétima trombeta), e houve no céu grandes vozes, que diziam: Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre”. (Apocalipse 11:15)

Assim, quando em Lucas 17, versículos 20 e 21, os fariseus interrogam a Cristo acerca da vinda do reino de Deus, e Jesus declara que o reino não vem com visível aparência, mas já estava entre eles, afirmava aos fariseus que Sua pessoa e obra já estavam atuando em meio deles. Nesta mesma passagem (Lc 17.20-37), Cristo fala de sua segunda vinda, visível para todos, e repentina para os incrédulos, que não receberam o reino de Deus em seus corações quando o mesmo ainda não era visível, e não poderão reinar com Ele em sua vinda.
É o que Jesus ensina claramente na parábola do grão de mostarda (Mateus 13:31-32).

Outra parábola lhes propôs, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo; O qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos.

E também na parábola do fermento (Mateus 13:33)

Outra parábola lhes disse: O reino dos céus é semelhante ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado.

No livro de Marcos encontra-se a parábola da semente (Mc 4:26-29), não encontrada nos outros evangelhos, e é seguida pela parábola do grão de mostarda (Mc 4:30-32), que também é encontrada nos evangelhos de Mateus e Lucas. Eis a passagem:

E dizia: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra. E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como. Porque a terra por si mesma frutifica, primeiro a erva, depois a espiga, por último o grão cheio na espiga. E, quando já o fruto se mostra, mete-se-lhe logo a foice, porque está chegada a ceifa.

A parábola, assim como as outras citadas, fala do crescimento imperceptível da Palavra semeada no coração dos homens e no mundo. O clímax vem no fim, com a segunda vinda de Cristo. O reino de Deus começa sem visível aparência, mas no dia do Senhor, se manifestará glorioso, iniciando-se o milênio. Cristo reinará com sua igreja quando o reino (já iniciado) estiver pronto (amadurecida a seara da terra).

b)    Como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo?

Apocalipse 20, versículos 2 e 3, declaram:

Ele prendeu o dragão, a antiga serpente, que é o Diabo e Satanás, e amarrou-o por mil anos. E lançou-o no abismo, e ali o encerrou, e pôs selo sobre ele, para que não mais engane as nações, até que os mil anos se acabem. E depois importa que seja solto por um pouco de tempo.

Na perspectiva amilenista, o aprisionamento de Satanás deve ser entendido como uma limitação ao agir do diabo sobre a vida dos homens. Cristo veio ao mundo para desfazer as obras do diabo (1 Jo 3:8), ocorrendo na sua primeira vinda, ou no seu ministério, o aprisionamento do diabo descrito  em Apocalipse 20:2-3.
Aqui também não parece ser a perspectiva amilenista adequada. É interessante notar que quando amilenistas partem da premissa de que o capítulo 20 de apocalipse é simbólico, acabam por obscurecer, dentro do próprio sentido simbólico, qualquer ideia de sequência, ou de coesão com eventos máximos como a crucificação, a ressurreição de Cristo e a segunda vinda de Cristo, reduzindo muito de suas significações.
Se o milênio, segundo a visão amilenista, inicia-se com a ressurreição de Cristo, como poderia o diabo ser aprisionado antes, por ocasião da primeira vinda de Cristo, e antes da cruz, se é precisamente por ocasião da ressurreição de Cristo que se iniciaria o milênio (na perspectiva amilenista)? É clarividente que os mil anos que a igreja reina com Cristo são os mesmos mil anos em que o diabo está aprisionado. Entender diferente é mutilar o texto bíblico, criando dois tipos de ‘mil anos’ num mesmo contexto (capítulo 20).
Sobre a passagem de Mateus 12, versículos 22 a 29, é certo que Cristo, para desfazer as obras do diabo, tem de combatê-lo. Satanás, assim, não se encontra inerme, e impossibilitado de enganar as nações, mas ao contrário, o diabo engana as nações (Ap 12.9), desde a fundação do mundo (2 Co 11.3), ao ponto de não ser maravilha que se transfigure em anjo de luz (2 Co 11:14).
Para que vidas sejam salvas da ação do enganador, Jesus Cristo precisa combatê-lo, enfrentá-lo, amarrá-lo, mas só se combate, enfrenta e amarra quem está previamente solto para agir. A ação de Jesus Cristo é primeiramente repressiva e combativa das obras do diabo, mas em Apocalipse 20 temos uma ação preventiva, onde o diabo é preso para não enganar mais as nações, e não enganando para ter desfeita a sua obra por Cristo. São ideias bastante distintas!
Estando o diabo preso, não pode enganar, mas estando solto, engana e aprisiona vidas, sendo necessária a ação de Cristo, e de seu poder libertador, para desfazer o engano e as cadeias. O próprio contexto de Mateus 12:22-29 fala de um reino pertencente ao diabo (Mt 12:26), que é contrário ao reino que Cristo está implantando. O mundo jaz no maligno (1 Jo 5:19), o seu príncipe continua a agir nos filhos da desobediência (Ef 2:2), mas Cristo vindicará os reinos deste mundo quando a seara da colheita estiver madura e completar-se o número dos salvos, e sem curvar-se ao diabo, como este quis na tentação no deserto (Mt 4:1-11 e Lc 4:1-13).
O próprio Senhor Jesus enfatiza o poder de enganar do diabo, que se possível, enganará (ou enganaria) até mesmo os escolhidos (Mateus 24:24). 

Ainda há muito a ser dito sobre assunto tão fascinante e polêmico,  e por isso mesmo, outros comentários ainda deverão ser tecidos em breve.

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